O governo do Estado de São Paulo
fez uma aposta: enfrentar o crime organizado por meio do combate
violento conduzido pela Rota. O tiro saiu pela culatra, visto que 63%
dos paulistanos reprova a política de segurança adotada (Datafolha). E o
governador perdeu 11 pontos em sua avaliação ótimo/bom, na passagem de
setembro para outubro deste ano (de 40% caiu para 29%).
São Paulo não está sabendo distinguir o crime
organizado das organizações criminosas ostensivas, que atuam em nome do
primeiro (a distinção é bem feita por Ricardo Balestreri). O crime
organizado – diz o autor citado – não se confunde com as organizações
criminosas ostensivas que atuam nas ruas, nas estradas e nas favelas,
por meio de milhares de "soldados".
O crime organizado é camuflado, clandestino, pouco ou nada visível; as organizações criminosas são ostensivas, servis, fragmentos operativos dos interesses daquele. As organizações
criminosas são poderosas e normalmente violentas, ou seja, precisam ser
combatidas (não há dúvida sobre isso), mas é necessário ter
consciência que esse combate está sendo feito ao varejo, não ao atacado
(não à inteligência do grupo). Enquanto se ataca somente o grupo
ostensivo, o crime organizado nunca termina. Atacar os criminosos do
Paraisópolis (SP) não significa atingir o crime organizado, que não
reside aí.
Combater a filial não significa atacar a matriz. Guerrear com os lambaris não significa que serão alcançados os tubarões. As organizações criminosas são as longa manus dos verdadeiros crimes organizados, cujos integrantes raramente aparecem. Claro que devem ser investigadas e punidas, mas nunca se pode perder de vista que elas são apenas a linha de frente. Que o escritório (e a cabeça) de tudo está por trás. O colarinho branco não frequenta as favelas.
Combater a filial não significa atacar a matriz. Guerrear com os lambaris não significa que serão alcançados os tubarões. As organizações criminosas são as longa manus dos verdadeiros crimes organizados, cujos integrantes raramente aparecem. Claro que devem ser investigadas e punidas, mas nunca se pode perder de vista que elas são apenas a linha de frente. Que o escritório (e a cabeça) de tudo está por trás. O colarinho branco não frequenta as favelas.
Aliás, o crime organizado não habita as favelas, não
transporta drogas, não vai para dentro dos presídios (normalmente). Do
crime organizado faz parte a elite, que quase nunca aparece. É ela que
lava o dinheiro sujo, que faz negócios com os bancos "lavadores" (HSBC e
Bank of America, recentemente flagrados), que abre contas
internacionais, que gerencia os narcodólares, que se relaciona com os
paraísos fiscais. É ela que abre também negócios lícitos, fazendo a
mesclagem (lavagem) dos dinheiros (limpo e sujo), por meio do processo
chamado mimetização.
O crime organizado é transversal, não paralelo, ou
seja, ele atravessa os poderes constituídos, por meio da corrupção,
tendo poder econômico para comprar políticos, policiais, juízes,
fiscais, ministros etc. As organizações criminosas, distintamente, são
prioritariamente paralelas, porque se colocam à margem do poder central
(do comando). São mais operacionais que dominiais, ou seja, não
possuem o domínio do fato, apenas operam, dentro dos territórios e da
área delimitados.
Sua transversalidade é pequena, geralmente com
policiais (que passam a fazer parte da organização ou dos benefícios
dela).
"O crime organizado é difícil de ser combatido porque ele frequenta a cozinha do governante, o gabinete dos parlamentares, as salas dos ministérios, as representações da presidência da república etc."
"O crime organizado é difícil de ser combatido porque ele frequenta a cozinha do governante, o gabinete dos parlamentares, as salas dos ministérios, as representações da presidência da república etc."
As organizações criminosas ficam sempre encarregadas do "serviço" sujo, sanguinário, arrecadatório (arriscado). Por trás de tudo está o crime organizado. Que age em função do lucro, logo, normalmente com astúcia. Mas que conta, ademais, com enorme poder de fogo (e de ameaça), suficiente para intimidar quem apareça em sua frente.
O crime organizado tem alto poder de infiltração nas
mais elevadas instituições públicas e privadas. Seu escopo é o lucro.
Não existe crime organizado para fins benemerentes. Rapinar o dinheiro
alheio, sobretudo o dinheiro público, é o esporte predileto do crime
organizado, que é o que mais financia as campanhas dos políticos.
Normalmente não aparece, tendo gente que executa para ele as atividades
arriscadas e ostensivas. O crime organizado é o agente de trás.
Quando a polícia invade as favelas, promovendo
espetáculos hollywoodianos, operações de "saturação" etc., está atrás
das organizações criminosas, não do crime organizado. Muitos policiais
acham que estão buscando o crime organizado (nessas operações). Nada
mais equivocado.
"O criminoso organizado não está nas favelas."
"O criminoso organizado não está nas favelas."
Se compararmos as operações inteligentes da polícia
federal com as operações pedestres das polícias estaduais (normalmente
militares) vemos nitidamente a diferença. A polícia federal vai sempre
atrás do crime organizado, que frequenta ministérios, parlamentos,
gabinetes da presidência, palácios, grandes construtoras etc. A polícia
estadual só consegue atacar, no máximo, as organizações criminosas
filiais (os lambaris). Que não são desprezíveis (se sabe).
A polícia federal não fica "pedalando" portas em
favelas, tiroteando. Não se trata de uma polícia sanguinária, nisso se
distinguindo com clareza das demais polícias. Nas favelas e ruas das
cidades não está o crime organizado, sim, as organizações criminosas. O
crime organizado está oculto: sua forma de investigação e combate,
portanto, é bem diferenciada.
Precisamos de muitas polícias federais para debelar o
crime organizado. Enquanto isso não acontece, a população e a mídia
vão se divertindo (ou se intimidando) com as operações de guerra
pedestres contra as organizações criminosas ostensivas. O crime
organizado está agradecido, enquanto não é devidamente investigado (com
inteligência, neurônios e muita tecnologia de ponta).
Luiz Flávio Gomes é jurista, professor, fundador da Rede de Ensino LFG, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil e coeditor do atualidadesdodireito.com.br
Do Brasil 247
Veja também:
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